A história de Ló e suas filhas em Gênesis 19 é uma das narrativas mais perplexas e moralmente complexas da Bíblia. Ela se desenrola nas antigas cidades de Sodoma e Gomorra, infames por sua maldade, e serve como um conto sóbrio da fragilidade humana, do julgamento divino e das consequências do compromisso moral.
Ló, sobrinho de Abraão, havia escolhido se estabelecer em Sodoma, uma cidade marcada por sua profunda decadência moral. Apesar de sua reputação, Ló havia encontrado algum conforto e prosperidade lá. No entanto, a maldade desenfreada da cidade não passou despercebida por Deus. Em Gênesis 18, vemos Abraão intercedendo por Sodoma, implorando a Deus para poupar a cidade se ao menos dez pessoas justas pudessem ser encontradas lá. Infelizmente, o número de indivíduos justos foi insuficiente, e o julgamento de Deus estava prestes a ser desencadeado.
Gênesis 19 começa com dois anjos chegando a Sodoma à noite. Ló, sentado no portão da cidade, os reconhece como mensageiros divinos e insiste em lhes oferecer hospitalidade, um valor cultural significativo no antigo Oriente Próximo. Ele os instiga a ficar em sua casa em vez de passar a noite na praça da cidade, ciente do perigo potencial que poderiam enfrentar. Os anjos concordam, e Ló prepara uma refeição para eles.
À medida que a noite cai, os homens de Sodoma cercam a casa de Ló, exigindo que ele traga os visitantes para que possam "conhecê-los"—uma expressão que, neste contexto, implica agressão sexual. Ló sai para confrontar a multidão, chamando-os de "irmãos" e implorando para que não cometam tal ato perverso. Em uma tentativa desesperada de proteger seus convidados, Ló oferece suas duas filhas virgens à multidão, uma decisão que tem perplexado e perturbado leitores por gerações. Este ato reflete os severos compromissos morais que Ló fez ao viver em Sodoma e a extensão em que ele foi influenciado por sua depravação.
A multidão rejeita a oferta de Ló e se move para arrombar a porta. Neste momento crítico, os anjos intervêm, puxando Ló de volta para dentro e cegando os homens do lado de fora, tornando-os incapazes de encontrar a porta. Eles então revelam sua missão a Ló: a destruição de Sodoma e Gomorra. Eles instruem Ló a reunir sua família e fugir da cidade sem olhar para trás.
Os genros de Ló, no entanto, desconsideram o aviso como uma piada, deixando Ló apenas com sua esposa e duas filhas. Ao amanhecer, os anjos instam Ló a se apressar, e eles fisicamente conduzem ele e sua família para fora da cidade, instando-os a fugir para as montanhas para escapar da destruição iminente. Deus faz chover enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra, obliterando as cidades e seus habitantes.
Tragicamente, a esposa de Ló desobedece à ordem de não olhar para trás e é transformada em uma estátua de sal. Ló e suas filhas continuam para uma pequena cidade chamada Zoar, mas temendo por sua segurança, logo se mudam para as montanhas e se estabelecem em uma caverna.
É aqui, no isolamento da caverna, que a história toma um rumo ainda mais sombrio. As filhas de Ló, acreditando serem os últimos humanos na terra e desesperadas para preservar sua linhagem familiar, elaboram um plano para embriagar seu pai e conceber filhos com ele. Em noites sucessivas, elas embriagam Ló e se deitam com ele. Ló, inconsciente de suas ações devido à embriaguez, gera dois filhos: Moabe, pela filha mais velha, e Ben-Ami, pela mais nova. Esses filhos se tornam os progenitores dos moabitas e dos amonitas, respectivamente—nações que mais tarde teriam relações complexas e muitas vezes adversárias com Israel.
Essa narrativa é perturbadora por muitas razões. Ela retrata de forma clara a degradação moral e espiritual que pode resultar de viver em um ambiente corrupto. A decisão inicial de Ló de se estabelecer em Sodoma, apesar de sua maldade, desencadeou uma série de eventos que levaram a uma profunda tragédia pessoal e familiar. Sua disposição de oferecer suas filhas à multidão e suas subsequentes relações incestuosas com elas (embora inconscientemente) destacam os severos compromissos éticos que ele fez.
De uma perspectiva teológica, a história sublinha vários temas-chave. Primeiro, serve como um poderoso lembrete do julgamento de Deus contra o pecado. A destruição de Sodoma e Gomorra é um testemunho da seriedade com que Deus vê a corrupção moral. Como o apóstolo Pedro mais tarde reflete, "Ele condenou as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinzas, fazendo delas um exemplo do que está por vir sobre os ímpios" (2 Pedro 2:6, NVI).
Segundo, a narrativa ilustra o conceito de indivíduos justos vivendo em uma sociedade corrupta. Ló é descrito como um "homem justo" que estava "angustiado pela conduta depravada dos ímpios" (2 Pedro 2:7, NVI). No entanto, sua justiça é manchada por seus compromissos e falhas. Essa dualidade serve como um conto de advertência para os crentes guardarem-se contra as influências de um ambiente pecaminoso e manterem sua integridade moral.
Terceiro, a história de Ló e suas filhas destaca a importância da obediência aos mandamentos de Deus. O olhar fatal da esposa de Ló para trás em direção a Sodoma simboliza o perigo de ansiar e se apegar a um passado pecaminoso. O próprio Jesus faz referência a este evento em Lucas 17:32, alertando seus seguidores a lembrarem-se da esposa de Ló como uma advertência contra olhar para trás quando chamados a seguir em obediência.
Finalmente, a narrativa prenuncia as relações complicadas entre Israel e seus vizinhos. Os moabitas e amonitas, descendentes das filhas de Ló, desempenham papéis significativos na história posterior de Israel. Embora muitas vezes adversárias, essas relações também contêm momentos de redenção e graça, como visto na história de Rute, uma mulher moabita que se torna uma ancestral do rei Davi e, em última análise, de Jesus Cristo.
Em conclusão, a história de Ló e suas filhas em Gênesis 19 é um conto multifacetado que desafia os leitores a refletirem sobre as consequências do compromisso moral, a realidade do julgamento divino e as complexidades das relações humanas. Ela serve como um sóbrio lembrete da importância de manter a integridade e a obediência a Deus, mesmo diante de um mundo corrupto e hostil.