A questão de por que Jesus orou a Deus se Ele é Deus é uma que intrigou teólogos, estudiosos e crentes por séculos. Ela toca na natureza profunda e misteriosa da Trindade e na dupla natureza de Cristo. Para entender isso, devemos mergulhar nas profundezas da teologia cristã, examinando o relacionamento entre Jesus e Deus Pai, a natureza da encarnação de Jesus e o propósito de Suas orações.
Primeiramente, é essencial reconhecer que a doutrina cristã ensina que Jesus é de fato totalmente Deus e totalmente homem. Isso está encapsulado na doutrina da União Hipostática, que afirma que Jesus Cristo é uma Pessoa com duas naturezas, divina e humana. O Evangelho de João começa com uma declaração profunda da divindade de Jesus: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (João 1:1, ESV). Este versículo estabelece Jesus como o Verbo eterno, totalmente divino e um com Deus.
No entanto, o mesmo Evangelho também nos diz: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (João 1:14, ESV). Esta encarnação significa que Jesus assumiu a natureza humana, experimentando a vida como um ser humano com todas as suas limitações e desafios. Como homem, Jesus experimentou fome, sede, fadiga e outras necessidades físicas. Mais importante, Ele também experimentou necessidades espirituais, uma das quais era a necessidade de comunhão com Deus Pai através da oração.
Uma das principais razões pelas quais Jesus orou a Deus foi para modelar uma vida de dependência e comunhão com o Pai. Ao longo de Seu ministério, Jesus consistentemente demonstrou uma vida de oração. Por exemplo, em Marcos 1:35, lemos: "E, levantando-se muito cedo, ainda escuro, saiu e foi para um lugar deserto, e ali orava" (ESV). A prática regular de oração de Jesus destacou a importância de um relacionamento com Deus, estabelecendo um exemplo para Seus seguidores. Ao orar, Jesus mostrou que, embora fosse divino, viveu Sua vida terrena em completa dependência do Pai.
Além disso, as orações de Jesus eram uma expressão de Sua natureza humana. Os Evangelhos fornecem vários exemplos onde as orações de Jesus revelam Sua humanidade. No Jardim do Getsêmani, diante da crucificação iminente, Jesus orou: "Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres" (Mateus 26:39, ESV). Esta oração revela o desejo humano de Jesus de evitar o sofrimento, mas é acompanhada por Sua submissão à vontade do Pai. Isso destaca a realidade de que Jesus, em Sua humanidade, experimentou medo, angústia e a necessidade de força e orientação divinas.
Além disso, as orações de Jesus eram um meio de cumprir Seu papel como Mediador entre Deus e a humanidade. Em Sua oração sacerdotal registrada em João 17, Jesus intercede por Seus discípulos e por todos os crentes, pedindo ao Pai que os proteja e santifique. Hebreus 7:25 nos diz que Jesus "vive sempre para interceder por eles" (ESV). Como Mediador, as orações de Jesus não eram apenas uma comunicação pessoal com o Pai, mas também uma parte essencial de Sua obra redentora, fazendo a ponte entre um Deus santo e a humanidade pecadora.
Teologicamente, as orações de Jesus também iluminam as distintas pessoas da Trindade. A doutrina da Trindade ensina que Deus é um Ser em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essas três Pessoas são coiguais, coeternas e consubstanciais, mas têm papéis e relacionamentos distintos. Jesus orando ao Pai destaca essa distinção relacional dentro da Divindade. Mostra que, embora Jesus seja totalmente Deus, Ele também é uma Pessoa distinta que se comunica com o Pai. Este relacionamento intra-trinitário é um mistério além da plena compreensão humana, mas é crucial para entender a natureza de Deus conforme revelada nas Escrituras.
Além dessas razões teológicas, as orações de Jesus servem a um propósito prático para os crentes. Elas fornecem um exemplo profundo de como se aproximar de Deus em oração. Jesus ensinou Seus discípulos a orar com humildade, dependência e confiança na vontade de Deus, como visto na Oração do Senhor (Mateus 6:9-13). Suas próprias orações exemplificam esses princípios, demonstrando um relacionamento íntimo com o Pai que os crentes são convidados a compartilhar. As orações de Jesus encorajam os crentes a levar suas necessidades, medos e desejos a Deus, confiando em Sua bondade e soberania.
Para entender melhor por que Jesus orou, é útil considerar os escritos dos primeiros Padres da Igreja e teólogos. Atanásio, um influente bispo do século IV, escreveu extensivamente sobre a encarnação e a natureza de Cristo. Em sua obra "Sobre a Encarnação", Atanásio enfatiza que Jesus assumiu a natureza humana para redimir e restaurar a humanidade. Ele afirma: "Ele se tornou o que somos para que Ele pudesse nos fazer o que Ele é." Esta declaração profunda destaca o propósito da encarnação de Jesus e Sua identificação com as experiências humanas, incluindo a oração.
Da mesma forma, o Padre da Igreja primitiva Agostinho, em sua obra "Confissões", reflete sobre o mistério da Trindade e da encarnação. Ele escreve: "Aquele que é o Verbo, por meio de quem todas as coisas foram feitas, se fez carne, para que pudesse habitar entre nós." Os escritos de Agostinho destacam a importância da encarnação de Jesus como um ato de amor e humildade divinos, através do qual Ele participou plenamente da condição humana.
Em conclusão, Jesus orou a Deus porque Ele era totalmente humano e totalmente divino, modelando uma vida de dependência do Pai, expressando Sua natureza humana, cumprindo Seu papel como Mediador e revelando a distinção relacional dentro da Trindade. Suas orações servem como um exemplo profundo para os crentes, encorajando-os a cultivar um relacionamento profundo e confiante com Deus. O mistério da Trindade e da encarnação pode estar além da plena compreensão humana, mas através das orações de Jesus, temos um vislumbre do amor profundo e da unidade dentro da Divindade e somos convidados a compartilhar desse relacionamento divino.