A questão de por que Deus criou Satanás, plenamente ciente de sua futura rebelião, é uma das indagações mais profundas e desafiadoras dentro da teologia cristã. Ela mergulha na natureza de Deus, na realidade do livre-arbítrio, na presença do mal e no propósito abrangente da criação. Para abordar essa questão, devemos explorar vários conceitos teológicos interconectados, incluindo a natureza de Deus, a natureza de Satanás e o contexto mais amplo do plano de Deus para a humanidade e o cosmos.
Primeiramente, é essencial entender que Deus é onisciente, onipotente e onibenevolente. Isso significa que Deus possui conhecimento completo, poder ilimitado e bondade perfeita. Em Sua onisciência, Deus de fato sabia que Satanás, originalmente criado como o anjo Lúcifer, escolheria se rebelar. Esse conhecimento prévio, no entanto, não implica que Deus causou ou desejou a rebelião de Satanás. Em vez disso, destaca a complexa interação entre a soberania divina e o livre-arbítrio das criaturas.
Lúcifer, cujo nome significa "portador da luz" ou "estrela da manhã", foi criado como um anjo magnífico e poderoso. Ezequiel 28:12-15 fornece uma descrição poética do estado inicial de Lúcifer: "Você era o selo da perfeição, cheio de sabedoria e perfeito em beleza. Você estava no Éden, o jardim de Deus; toda pedra preciosa o adornava... Você foi ungido como um querubim guardião, pois assim o ordenei. Você era irrepreensível em seus caminhos desde o dia em que foi criado até que a maldade foi encontrada em você." Esta passagem reflete o alto status e a beleza de Lúcifer antes de sua queda.
A chave para entender por que Deus criou Satanás reside no conceito de livre-arbítrio. Deus dotou Suas criaturas, tanto anjos quanto humanos, com a capacidade de escolher. O livre-arbítrio é um aspecto fundamental do amor e da responsabilidade moral. Sem a capacidade de escolher, o amor seria sem sentido e as ações morais seriam mero automatismo. Deus deseja um relacionamento genuíno com Sua criação, um que seja baseado em amor, confiança e obediência voluntária. Para que esse relacionamento seja autêntico, Suas criaturas devem possuir a liberdade de escolhê-Lo ou rejeitá-Lo.
A rebelião de Lúcifer, conforme descrito em Isaías 14:12-14, foi resultado de seu orgulho e desejo de se exaltar acima de Deus: "Como você caiu do céu, estrela da manhã, filho da alvorada! Você foi lançado por terra, você que derrubava as nações! Você disse em seu coração: 'Subirei aos céus; erguerei meu trono acima das estrelas de Deus; me assentarei no monte da assembleia, nas alturas mais elevadas do monte Zafom. Subirei acima dos topos das nuvens; me farei semelhante ao Altíssimo.'" Esta passagem ilustra a ambição egocêntrica que levou à queda de Lúcifer e sua transformação em Satanás, o adversário.
A permissão de Deus para a rebelião de Satanás e a subsequente presença do mal no mundo pode ser entendida dentro do contexto mais amplo de Seu plano redentor. A existência do mal e do sofrimento, embora profundamente perturbadora, serve a um propósito maior no design soberano de Deus. Romanos 8:28 nos assegura que "em todas as coisas Deus trabalha para o bem daqueles que o amam, que foram chamados segundo o seu propósito." Este versículo enfatiza que Deus pode trazer o bem mesmo das circunstâncias mais trágicas e malignas.
Um dos principais propósitos de permitir a rebelião de Satanás e a presença do mal é demonstrar a plena extensão da justiça, misericórdia e amor de Deus. Através da existência do mal, Deus revela Sua justiça ao julgar e condenar o pecado e a rebelião. Ao mesmo tempo, Ele exibe Sua misericórdia e amor através da obra redentora de Jesus Cristo. A cruz de Cristo é a expressão máxima do amor e da justiça de Deus, onde o pecado é punido e a graça é estendida à humanidade.
Além disso, a presença do mal e do sofrimento proporciona uma oportunidade para os humanos exercerem seu livre-arbítrio e escolherem confiar e seguir a Deus. É diante da adversidade e da tentação que a profundidade da fé e do compromisso de alguém é verdadeiramente testada. Tiago 1:2-4 encoraja os crentes a "considerar motivo de grande alegria, meus irmãos, quando passarem por várias provações, porque vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, para que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma." Através de provações e tentações, os crentes crescem em maturidade espiritual e dependência de Deus.
C.S. Lewis, em sua obra seminal "O Problema do Sofrimento", aborda a questão de por que um Deus bom permitiria a dor e o sofrimento. Ele argumenta que a dor serve como um "megafone para despertar um mundo surdo", aproximando as pessoas de Deus e levando-as a buscar Sua presença e conforto. De maneira semelhante, a existência de Satanás e sua rebelião pode ser vista como parte da narrativa maior que leva a uma compreensão mais profunda do caráter de Deus e a um relacionamento mais profundo com Ele.
Também vale a pena notar que a vitória final de Deus sobre Satanás e o mal está assegurada. Apocalipse 20:10 proclama a derrota final de Satanás: "E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de enxofre ardente, onde já haviam sido lançados a besta e o falso profeta. Eles serão atormentados dia e noite para todo o sempre." Este versículo sublinha a certeza do triunfo de Deus sobre o mal e o estabelecimento de Seu reino eterno de justiça e paz.
Em resumo, a criação de Satanás por Deus, apesar de saber de sua futura rebelião, pode ser entendida dentro do quadro do livre-arbítrio, da demonstração da justiça e misericórdia de Deus, da oportunidade de crescimento humano e dependência de Deus, e do cumprimento final do plano redentor de Deus. Embora a existência do mal e do sofrimento permaneça um mistério profundo, é através desses desafios que o caráter de Deus é revelado e Seus propósitos são cumpridos. Como crentes, somos chamados a confiar na soberania, sabedoria e bondade de Deus, sabendo que Ele trabalha todas as coisas para o bem daqueles que O amam.