A questão do destino daqueles que morreram antes da ressurreição de Jesus é profunda e complexa, tocando na natureza da salvação, na justiça de Deus e no desdobramento da revelação divina ao longo da história. Para abordar essa questão, devemos nos aprofundar em várias referências escriturísticas e interpretações teológicas que abrangem tanto o Antigo quanto o Novo Testamento.
A Bíblia fornece insights sobre o destino dos justos e dos ímpios que viveram antes da ressurreição de Cristo. O Antigo Testamento frequentemente fala de Sheol, um lugar onde os mortos residem. Por exemplo, no Salmo 16:10, Davi expressa confiança de que Deus não abandonará sua alma no Sheol, nem permitirá que Seu Santo veja a corrupção. Este versículo é posteriormente entendido no Novo Testamento como uma profecia sobre a ressurreição de Jesus (Atos 2:27).
Sheol, no contexto do Antigo Testamento, é um tanto ambíguo. Muitas vezes é retratado como um lugar sombrio onde tanto os justos quanto os ímpios vão após a morte, sem as distinções claras de céu e inferno que são mais desenvolvidas no Novo Testamento. No entanto, em meio a essa ambiguidade, há indicações de uma esperança para os justos. Por exemplo, em Jó 19:25-27, Jó expressa sua esperança em um Redentor e em ver Deus após sua morte:
"Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois que a minha pele for destruída, ainda em minha carne verei a Deus, a quem verei por mim mesmo, e os meus olhos o contemplarão, e não outro. O meu coração desfalece dentro de mim!" (NVI)
Essa esperança por uma vindicação futura e ressurreição reflete uma compreensão inicial da vida após a morte, mesmo que não esteja totalmente desenvolvida.
Quando nos voltamos para o Novo Testamento, a imagem se torna mais clara. Uma das passagens centrais é encontrada em Lucas 16:19-31, a parábola do rico e Lázaro. Nesta parábola, Jesus descreve um homem rico que, após a morte, se encontra em tormento no Hades, enquanto Lázaro, um homem pobre, é confortado no "seio de Abraão". Essa imagem sugere que havia uma distinção na vida após a morte entre os justos e os ímpios mesmo antes da ressurreição de Cristo. Os justos, representados por Lázaro, estavam em um lugar de conforto e descanso, enquanto os ímpios, representados pelo homem rico, estavam em um lugar de tormento.
Outra passagem significativa é 1 Pedro 3:18-20, que fala de Cristo pregando aos espíritos em prisão:
"Pois também Cristo sofreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus; morto no corpo, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, que há muito tempo foram desobedientes, quando a paciência de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto a arca era preparada, na qual poucas pessoas, isto é, oito, foram salvas através da água." (NVI)
Esta passagem tem sido interpretada de várias maneiras, mas uma interpretação comum é que, após Sua morte e antes de Sua ressurreição, Cristo proclamou Sua vitória aos espíritos dos mortos, afirmando Sua soberania sobre toda a criação, incluindo aqueles que haviam morrido antes de Sua vinda.
Além disso, Efésios 4:8-10 fala de Cristo descendo às partes mais baixas da terra e conduzindo uma hoste de cativos:
"Por isso é que foi dito: 'Quando ele subiu em triunfo às alturas, levou cativos muitos prisioneiros, e deu dons aos homens.' (O que significa 'ele subiu', senão que também desceu às profundezas da terra? Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, a fim de encher todas as coisas.)" (NVI)
Esta passagem é frequentemente entendida como significando que Cristo, em Sua morte e ressurreição, libertou os justos mortos, conduzindo-os à sua recompensa eterna.
Teologicamente, o destino daqueles que morreram antes de Cristo pode ser entendido à luz do plano atemporal de salvação de Deus. Romanos 3:25-26 fala da tolerância de Deus e de Sua justiça sendo demonstrada através do sacrifício de Cristo:
"Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; mas, no presente, demonstrou a sua justiça, a fim de ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus." (NVI)
Esta passagem sugere que a morte sacrificial de Cristo cobre retroativamente os pecados daqueles que viveram antes de Sua vinda. A tolerância, ou paciência, de Deus permitiu que Ele passasse por cima dos pecados dos santos do Antigo Testamento, sabendo que o sacrifício expiatório de Cristo acabaria por fornecer os meios para sua salvação.
Hebreus 11, frequentemente referido como o "Salão da Fama da Fé", fornece uma lista de figuras do Antigo Testamento que viveram pela fé. O capítulo conclui com estas palavras:
"Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido, pois Deus havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados." (Hebreus 11:39-40, NVI)
Isso indica que os santos do Antigo Testamento, embora tenham vivido pela fé e sido elogiados por isso, não receberam a plenitude das promessas de Deus até a vinda de Cristo. Sua perfeição, ou completude, aguardava a obra redentora de Jesus.
Além disso, o conceito de justiça e misericórdia de Deus é fundamental para entender o destino daqueles que morreram antes de Cristo. Deus, como uma divindade justa e misericordiosa, providenciou um meio para que os justos fossem salvos mesmo antes da plena revelação de Seu plano de salvação em Cristo. Isso é evidente na relação de aliança que Deus estabeleceu com figuras como Abraão, Moisés e Davi. Em Gênesis 15:6, lemos:
"Abrão creu no Senhor, e isso lhe foi creditado como justiça." (NVI)
A fé de Abraão foi creditada a ele como justiça muito antes da vinda de Cristo. Este princípio de fé levando à justiça é fundamental no argumento de Paulo em Romanos 4, onde ele discute a justificação dos ímpios pela fé, usando Abraão como exemplo principal.
Em resumo, a Bíblia indica que aqueles que morreram antes da ressurreição de Jesus não foram deixados sem esperança. Os justos entre eles estavam em um lugar de conforto, aguardando o cumprimento do plano redentor de Deus. A morte sacrificial e a ressurreição de Cristo forneceram os meios para sua salvação, cobrindo retroativamente seus pecados e conduzindo-os à sua recompensa eterna. A justiça e a misericórdia de Deus garantiram que os fiéis não fossem abandonados, mesmo enquanto aguardavam a vinda do Messias. Através da fé, tanto os santos do Antigo Testamento quanto os crentes do Novo Testamento estão unidos na salvação proporcionada por Jesus Cristo, o Redentor supremo.