A crítica da redação é um ramo da erudição bíblica que examina como os autores dos textos bíblicos moldaram e editaram seu material para expressar perspectivas teológicas e ideológicas. Quando aplicada aos Evangelhos Sinópticos—Mateus, Marcos e Lucas—a crítica da redação busca descobrir como cada um dos autores desses textos, ou redatores, apresentaram de forma única a vida e os ensinamentos de Jesus Cristo para atender às necessidades específicas da comunidade e ênfases teológicas.
Os Evangelhos Sinópticos, embora compartilhem uma quantidade considerável de material, incluindo muitas narrativas e ensinamentos paralelos, também exibem diferenças significativas que a crítica da redação visa explicar. Essas diferenças não são meramente incidentais; muitas vezes são sistemáticas, refletindo as distintas agendas teológicas e situações comunitárias de cada evangelista.
A crítica da redação vai além da mera identificação de fontes (como na crítica das fontes) para investigar por que os redatores editaram seus materiais da maneira que o fizeram. Pressupõe que os evangelistas não eram apenas transmissores passivos da tradição, mas intérpretes ativos e moldadores da mensagem que transmitiam. Esta forma de crítica presta muita atenção à omissão, adição e alteração de textos, e como tais decisões editoriais refletem as preocupações teológicas, sociais e pastorais do redator.
1. O Evangelho de Marcos
Marcos, considerado o mais antigo dos Evangelhos Sinópticos, muitas vezes apresenta um retrato mais cru e imediato de Jesus. Os críticos da redação observam que o Jesus de Marcos é uma figura de grandes obras e autoridade, mas também profundamente humano, experimentando emoções como raiva e tristeza. A representação de Marcos pode refletir uma comunidade lidando com sofrimento e perseguição, necessitando tanto da autoridade divina quanto da humanidade relacionável de Jesus.
Por exemplo, Marcos frequentemente usa o motivo do 'Segredo Messiânico', onde Jesus ordena silêncio sobre sua identidade. Isso pode ser interpretado como uma reflexão teológica sobre a natureza não reconhecida da missão de Jesus no mundo, um tema que pode ressoar com uma comunidade se sentindo marginalizada ou incompreendida.
2. O Evangelho de Mateus
O Evangelho de Mateus, por outro lado, é caracterizado por suas seções de ensino estruturadas, como o Sermão da Montanha (Mateus 5-7), e um grande interesse em apresentar Jesus como o cumprimento da profecia judaica. Isso sugere que Mateus estava se dirigindo a uma comunidade com fortes raízes judaicas, mas lutando com sua nova identidade em Cristo.
Mateus frequentemente cita o Antigo Testamento para demonstrar Jesus como o cumprimento das expectativas judaicas de um Messias. Por exemplo, Mateus começa com uma genealogia projetada para ligar Jesus diretamente a Davi e Abraão, figuras fundamentais na tradição judaica (Mateus 1:1-17). Esta escolha editorial sublinha a preocupação de Mateus com a legitimidade e continuidade aos olhos de um público judeu-cristão.
3. O Evangelho de Lucas
O Evangelho de Lucas é notável por sua ênfase no universalismo da mensagem de Jesus e sua preocupação com os marginalizados, incluindo mulheres, pobres e não-judeus. Lucas frequentemente destaca histórias e parábolas não encontradas nos outros evangelhos, como a Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:25-37) ou a história de Zaqueu (Lucas 19:1-10), que enfatizam perdão, misericórdia e a quebra de barreiras sociais.
Este foco reflete o objetivo redacional de Lucas de se dirigir a um público predominantemente gentio, enfatizando a inclusividade do evangelho e a quebra das barreiras tradicionais judaicas. Isso é ainda mais evidente na forma como Lucas traça a genealogia de Jesus até Adão, o pai de toda a humanidade, e não apenas até Abraão (Lucas 3:23-38).
A inclinação redacional de cada Evangelho não só nos informa sobre as preocupações comunitárias e ênfases teológicas na época de sua composição, mas também convida os leitores a refletir sobre a natureza multifacetada da identidade e missão de Jesus. A crítica da redação, portanto, enriquece nossa compreensão dos Evangelhos como textos dinâmicos que interagem com circunstâncias históricas e comunitárias específicas.
As diferenças destacadas pelos críticos da redação não são discrepâncias a serem reconciliadas, mas janelas para a fé e autocompreensão das primeiras comunidades cristãs. Elas nos mostram como os primeiros cristãos interpretaram a vida e os ensinamentos de Jesus de maneiras que atendiam às suas necessidades comunitárias únicas e como articularam suas crenças sobre a morte, ressurreição de Jesus e as implicações do Evangelho em suas vidas.
Em conclusão, a crítica da redação fornece uma visão profunda sobre as motivações teológicas e a vida comunitária dos primeiros cristãos. Ajuda os leitores modernos a apreciar os Evangelhos não apenas como documentos históricos, mas como instrumentos ativos de formação da fé, adaptados para falar poderosamente a diversas comunidades em diferentes tempos e lugares.