A prática de jejuar ou abster-se de carne na Sexta-feira Santa é uma tradição profundamente enraizada nos costumes litúrgicos de muitas denominações cristãs, particularmente dentro da Igreja Católica Romana. No entanto, quando recorremos à Bíblia para buscar instruções explícitas sobre essa prática, descobrimos que as Escrituras não mencionam diretamente o jejum ou a abstinência de carne especificamente na Sexta-feira Santa. Em vez disso, a Bíblia fornece uma estrutura mais ampla sobre o jejum e seu significado, que os crentes interpretaram e aplicaram a vários contextos, incluindo a Sexta-feira Santa.
O jejum é uma disciplina espiritual bem documentada ao longo da Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Muitas vezes está associado ao arrependimento, à oração e à busca da orientação de Deus. Por exemplo, no Antigo Testamento, vemos casos em que o jejum é usado como uma expressão de humildade e penitência diante de Deus. No livro de Joel, o profeta convoca o povo a um jejum como forma de retornar a Deus: "Ainda assim agora mesmo", declara o Senhor, "retornem a mim de todo o coração, com jejum, choro e lamentação" (Joel 2:12, NVI).
No Novo Testamento, o jejum continua a ser uma prática espiritual importante. O próprio Jesus jejuou por quarenta dias e noites no deserto antes de iniciar seu ministério público (Mateus 4:1-2). Além disso, no Sermão da Montanha, Jesus ensina sobre o jejum, enfatizando que deve ser feito com sinceridade e não para exibição: "Quando jejuarem, não mostrem uma aparência triste como os hipócritas, pois eles desfiguram o rosto para mostrar aos outros que estão jejuando. Em verdade vos digo que já receberam sua recompensa" (Mateus 6:16, NVI).
A Sexta-feira Santa é o dia em que os cristãos comemoram a crucificação e morte de Jesus Cristo. É um dia de reflexão solene sobre o sacrifício que Jesus fez pela humanidade. Embora a Bíblia não prescreva rituais específicos para a observância da Sexta-feira Santa, a Igreja primitiva desenvolveu tradições para honrar este evento crucial na história cristã.
A prática de jejuar na Sexta-feira Santa provavelmente surgiu do desejo de expressar luto e solidariedade com o sofrimento de Cristo. Ao abster-se de alimentos ou de certos tipos de alimentos, os cristãos podem concentrar-se mais intensamente na oração e na reflexão. A abstinência de carne, em particular, é vista como uma forma de sacrifício e autonegação, espelhando o sacrifício de Cristo.
A tradição de jejuar e abster-se de carne na Sexta-feira Santa tem suas raízes nas práticas cristãs primitivas. A Didaqué, um texto cristão antigo datado do primeiro século, menciona o jejum nas quartas e sextas-feiras. Esta tradição evoluiu ao longo do tempo, com ênfase específica na Sexta-feira Santa como um dia de jejum e penitência.
A justificativa teológica para o jejum na Sexta-feira Santa é multifacetada. É uma forma de participar dos sofrimentos de Cristo, como escreve o apóstolo Paulo: "Quero conhecer Cristo — sim, conhecer o poder de sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte" (Filipenses 3:10, NVI). O jejum torna-se uma expressão física deste desejo espiritual de estar unido a Cristo em seu sofrimento e morte.
Além disso, o jejum é um meio de disciplina espiritual que ajuda os crentes a se desprenderem dos confortos mundanos e a se concentrarem em seu relacionamento com Deus. Ao abster-se de alimentos, os cristãos são lembrados de sua dependência de Deus para sustento, tanto físico quanto espiritual.
Embora a Bíblia não mencione explicitamente o jejum ou a abstinência de carne na Sexta-feira Santa, a tradição cristã desempenhou um papel significativo na formação desta prática. A Igreja, ao longo da história, tem sido guiada pelas Escrituras, mas também desenvolveu tradições que ajudam os fiéis a viverem suas crenças de maneiras práticas.
Na Igreja Católica Romana, por exemplo, o Código de Direito Canônico especifica que a Sexta-feira Santa é um dia de jejum e abstinência de carne. Esta prática é vista como uma forma de honrar a solenidade do dia e de se preparar espiritualmente para a celebração da Páscoa. Outras denominações cristãs podem não ter tais requisitos específicos, mas muitas ainda observam a Sexta-feira Santa como um dia de jejum e reflexão.
Para cristãos não denominacionais e outros que podem não estar vinculados a regras litúrgicas específicas, a decisão de jejuar ou abster-se de carne na Sexta-feira Santa pode ser pessoal. É uma oportunidade de se engajar em uma disciplina espiritual que aprofunda a fé e a compreensão do sacrifício de Cristo. Quer se escolha jejuar ou não, o foco deve permanecer no significado do dia e no amor e graça profundos demonstrados por Jesus na cruz.
O jejum, quando feito com o coração e a intenção corretos, pode ser uma ferramenta poderosa para o crescimento espiritual. Não se trata apenas de seguir uma regra ou tradição, mas de se aproximar de Deus e alinhar o coração com Seus propósitos. Como o profeta Isaías nos lembra, o verdadeiro jejum vai além da abstinência de alimentos; envolve viver a justiça e a misericórdia de Deus: "Não é este o jejum que escolhi: soltar as correntes da injustiça e desatar as cordas do jugo, libertar os oprimidos e romper todo jugo?" (Isaías 58:6, NVI).
Em resumo, embora a Bíblia não mencione especificamente o jejum ou a abstinência de carne na Sexta-feira Santa, ela fornece uma rica estrutura para entender a disciplina espiritual do jejum. A tradição de observar a Sexta-feira Santa com jejum e abstinência foi moldada por desenvolvimentos históricos e teológicos dentro da Igreja, servindo como uma expressão significativa de fé e devoção. Para os cristãos de hoje, quer estejam vinculados à tradição ou não, a essência da Sexta-feira Santa reside em lembrar e honrar o sacrifício de Jesus Cristo e buscar viver de acordo com Seus ensinamentos.