A questão de saber se Deus aprovava que Davi e Salomão tivessem várias esposas é complexa e matizada, exigindo um exame cuidadoso dos textos bíblicos e do contexto histórico em que essas figuras viveram. Para abordar essa questão de forma abrangente, devemos considerar a narrativa bíblica mais ampla, as passagens específicas que mencionam os casamentos de Davi e Salomão e os princípios teológicos que sustentam os ensinamentos cristãos sobre o casamento.
Davi e Salomão, dois dos reis mais proeminentes de Israel, são bem conhecidos por seus múltiplos casamentos. Davi teve várias esposas, incluindo Mical, Abigail e Bate-Seba (2 Samuel 3:2-5; 1 Crônicas 3:1-9). Salomão, seu filho, é famoso por ter 700 esposas e 300 concubinas (1 Reis 11:3). À primeira vista, isso pode sugerir que Deus tolerava ou até aprovava suas práticas poligâmicas. No entanto, um exame mais detalhado das Escrituras revela um quadro mais complexo.
No início, o plano de Deus para o casamento é claramente delineado em Gênesis 2:24: "Portanto, deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e serão uma só carne." Esta passagem indica que o ideal de Deus para o casamento é monogâmico—um homem e uma mulher unidos em um pacto vitalício. Este princípio é reiterado por Jesus no Novo Testamento quando Ele aborda a questão do casamento e do divórcio em Mateus 19:4-6, afirmando o relato de Gênesis e enfatizando a unidade e exclusividade do relacionamento conjugal.
Apesar desse ideal, o Antigo Testamento contém inúmeras instâncias em que práticas culturais, incluindo a poligamia, divergiram do plano original de Deus. Davi e Salomão viveram em uma época em que a poligamia era culturalmente aceita e frequentemente praticada por reis por razões políticas e sociais. Os casamentos eram frequentemente usados para formar alianças, garantir a paz e consolidar o poder. Embora essas práticas fossem comuns, elas não estavam necessariamente alinhadas com a vontade de Deus.
A Lei Mosaica fornece algumas regulamentações sobre a poligamia, que podem ser interpretadas como uma forma de concessão à fraqueza humana, em vez de aprovação. Por exemplo, Deuteronômio 21:15-17 inclui leis sobre os direitos de herança para os filhos de várias esposas, e Deuteronômio 17:17 especificamente adverte os reis de Israel a não "multiplicar esposas para si, para que seu coração não se desvie." Este último versículo é particularmente relevante para a história de Salomão, pois aborda diretamente os perigos associados à poligamia para aqueles em posições de poder.
A poligamia de Davi, embora documentada, não é explicitamente condenada na narrativa. No entanto, as consequências de suas ações são evidentes. A história de Davi e Bate-Seba (2 Samuel 11) é um lembrete claro dos perigos morais e éticos que podem acompanhar o abuso de poder e a violação da fidelidade conjugal. O adultério de Davi com Bate-Seba e o subsequente assassinato de seu marido Urias levaram a graves consequências para sua família e reino, conforme profetizado pelo profeta Natã (2 Samuel 12:10-12).
A poligamia de Salomão é mais explicitamente criticada no texto bíblico. 1 Reis 11:1-4 afirma que as muitas esposas estrangeiras de Salomão "desviaram seu coração para outros deuses", levando-o à idolatria e, em última análise, trazendo o julgamento de Deus sobre seu reinado e o reino de Israel. Esta passagem destaca os perigos espirituais e a desvio dos mandamentos de Deus que resultaram dos casamentos de Salomão.
A partir dessas narrativas, fica claro que, embora Deus tenha permitido a poligamia em certos contextos, não era o ideal Dele para o casamento. As consequências negativas experimentadas por Davi e Salomão servem como contos de advertência sobre os perigos espirituais, morais e sociais de se desviar do plano de Deus. Suas histórias ilustram como a acumulação de esposas e concubinas pode levar a complicações, conflitos e um afastamento de Deus.
O Novo Testamento reforça ainda mais o ideal monogâmico para o casamento. Em suas epístolas, o Apóstolo Paulo fornece instruções para os líderes da igreja, enfatizando a importância da fidelidade conjugal e da monogamia. Em 1 Timóteo 3:2, Paulo afirma que um bispo deve ser "marido de uma só mulher", e em Tito 1:6, ele repete esse requisito para os anciãos. Essas qualificações destacam a importância da monogamia como modelo para a liderança cristã e como reflexo da fidelidade e unidade que devem caracterizar os casamentos cristãos.
Além dos textos bíblicos, a literatura cristã ao longo da história tem consistentemente defendido o ideal monogâmico. Os primeiros Pais da Igreja, como Agostinho e Crisóstomo, falaram contra a poligamia e enfatizaram a santidade e exclusividade do vínculo conjugal. Agostinho, em sua obra "O Bem do Casamento", argumentou que a unidade de um homem e uma mulher no casamento reflete a unidade de Cristo e da Igreja, um tema que Paulo também explora em Efésios 5:22-33.
Em resumo, embora Deus não tenha imediatamente ou explicitamente condenado as práticas poligâmicas de Davi e Salomão, a narrativa bíblica mais ampla e os princípios teológicos indicam que a monogamia é o ideal de Deus para o casamento. As consequências negativas experimentadas por esses reis servem como um testemunho dos perigos e complicações morais da poligamia. O Novo Testamento e os ensinamentos cristãos subsequentes afirmam ainda mais a importância da monogamia, destacando-a como um modelo para a vida e liderança cristã. Assim, de uma perspectiva cristã não denominacional, fica claro que a aprovação de Deus recai sobre a união monogâmica de um homem e uma mulher, refletindo Seu plano original e o relacionamento de aliança entre Cristo e a Igreja.